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Aquecimento Global e a Pesca
AQUECIMENTO GLOBAL E A PESCA
Acácio Ribeiro Gomes Tomás, argtomas@pesca.sp.gov.br, pesquisador do Instituto de Pesca, www.pesca.sp.gov.br, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, dezembro 2009
As discussões sobre mudanças climáticas, no Blog da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, www.agriculturasp.blogspot.com, serão prolongadas excepcionalmente por mais uma semana, devido ao grande interesse despertado na sociedade pela COP 15 (Conferência de Mudanças Climáticas), que se realiza em Copenhague, Dinamarca.
Nesta terça-feira, dia 8 de dezembro, eu apresento o tema ``Aquecimento global e pesca. O visitante pode, e deve, participar do chat, fazendo perguntas e comentários para enriquecer o debate.
Mudanças climáticas fazem parte de um processo natural. Desde a sua criação, o planeta passa por etapas contínuas de esfriamento e aquecimento, associadas a seu afastamento ou aproximação do Sol. Discute-se muito na atualidade se as ações promovidas pelo Homem poderiam acelerar ou não o aquecimento global. Épocas mais frias ou mais quentes sempre acompanharam a história do Homem. E essas oscilações, em escala temporal ou espacial, fazem parte do equilíbrio natural do planeta, ainda que muitas não tenham sido relatadas pela história.
As correntes marinhas e os ventos são forças que promovem o balanceamento térmico do planeta. O acompanhamento das medidas de temperatura é uma das principais formas de avaliar o equilíbrio do planeta. Com o aquecimento das águas do mar, haverá uma nova acomodação do planeta em busca de um novo equilíbrio térmico, o que obviamente promoverá modificações nos padrões de distribuição de ventos e correntes, para melhor distribuir a energia necessária a essa regulação térmica.
A produtividade da pesca sempre esteve - e continuará - relacionada ao clima. Por quê? Em relação à s populações de organismos terrestres, as populações marinhas são mais numerosas, apresentam maior fecundidade, em grande parte possuem elevada dispersão de ovos e larvas e, por conta disso, apresentam maior dependência das condições para efetuar essa dispersão, ou seja, por correntes oceÂnicas.
O cientista britÂnico David Cushing já abordava essa relação em interessante livro publicado em 1982. Posteriormente, em 1997, o mesmo autor abordou, em nova publicação, a produtividade na pesca regulada pela produtividade do oceano. Outras publicações mais recentes revisitam o tema, como é o caso de ``Ecossistemas Marinhos e a Variação Climática´´, de Stenseth e colaboradores, dentre outras. Mas talvez a mais brilhante abordagem tenha sido a polêmica levantada por Daniel Pauly (da Universidade de Columbia BritÂnica, no Canadá): ``... se não nos cuidarmos, em breve estaremos comendo sopa de algas com águas-vivas´´. Este alerta vem sendo motivo de reflexão e de recentes publicações, sobretudo nos últimos dois anos.
A pressão pesqueira tem reduzido a população dos grandes predadores e a pesca tem se voltado a espécies de menores dimensões. Por sua vez, estas espécies dependem mais diretamente de organismos planctônicos, que, por sua vez, estão mais associados com a distribuição dos nutrientes pelas massas d’água. Dessa forma, a abundÂncia e a biomassa de diversas espécies de interesse pesqueiro variam de acordo com as condições ambientais, particularmente no que se refere à temperatura. E justamente essas interações garantem melhores ou piores épocas de pesca.
Porém, não é tarefa das mais fáceis tentar identificar quando são as condições ambientais ou a pressão pesqueira que afeta o tamanho da população. O que se considera em geral são efeitos aditivos. Alguns autores sugerem que a sensibilidade de populações sob forte pressão pesqueira seria maior frente a variações climáticas. Um dos casos que mais nos fascina é relativo ao Fenômeno ENOS (El Niño-Oscilação Sul). Embora tenha seu centro de atuação no Pacífico, com o aquecimento anômalo das águas fruto de ação de ventos em alta atmosfera, apresenta reflexos em todo hemisfério sul e até mesmo em boa parte do hemisfério norte.
Com base nisto tudo, boas capturas podem ser realizadas com relativo sucesso, desde que esses fenômenos possam ser adequadamente previstos, o que ainda é difícil. Cientistas brasileiros têm apontado que anos de ocorrência de La Niña - fenômeno antagônico ao El Niño e que junto à costa sul brasileira reduz a penetração de frentes frias de modo a ampliar a possibilidade de ressurgências de águas frias, mais comuns no verão, em meses de inverno – têm gerado maior produtividade primária e consequente melhores condições de sucesso no recrutamento de diversas espécies que se alimentam de plÂncton e sucessivamente de toda a teia alimentar, gerando maior produtividade para a indústria pesqueira das regiões Sudeste e Sul do Brasil.
Situações assemelhadas ocorrem no hemisfério norte com a nominada Oscilação do AtlÂntico-Norte como também decorrentes de mudanças de escala deceniais ou mesmo seculares, estas últimas com base em registros em camadas estratigráficas sedimentares. Mesmo espécies utilizadas para a produção do bacalhau, intensamente estudadas, passaram por efeitos negativos do clima em seu recrutamento, que afetaram o tamanho de suas populações.
Diversos projetos de pesquisa de cunho mundial avaliam aspectos da circulação oceÂnica e interações oceano-atmosfera. Com isso, o aquecimento global poderá ampliar zonas oceÂnicas com menor taxa de oxigenação (por menor solubilidade), o que certamente reduziria o alimento disponível em toda a teia trófica marinha, desde o fitoplÂncton até os grandes mamíferos. A modificação da distribuição de energia nos oceanos tende a ampliar a magnitude de fenômenos naturais. Isso afetará a distribuição dos organismos, podendo facilitar a extinção de algumas espécies menos tolerantes. Mudanças na distribuição de energia poderão inclusive trazer até a superfície águas quase anóxicas presentes em profundidade, provocando por muito tempo ações danosas à reproducibilidade dos recursos pesqueiros, de modo que a atividade pesqueira poderá ser drasticamente reduzida.
Mesmo no ambiente costeiro, como os estuários, águas cada vez mais quentes tendem a influenciar os padrões de migrações de espécies que tenham nesses ambientes ao menos uma fase de suas vidas, já que em águas mais quentes tem-se menos oxigênio dissolvido para as larvas. Considerando ainda que aquecimento global implicará aumento do nível do mar, haverá um enorme impacto com a perda de habitat para dezenas de espécies dependentes desses ambientes.
Outra situação, já bem visível em alguns lugares do mundo, e mesmo no Brasil, é o embranquecimento dos corais. Isso se deve ao aumento gradual da temperatura da água, que reduz a disponibilidade de alimento à s comunidades coralíneas, que então perecem, deixando somente a estrutura calcária visível.
Alguns fenômenos anômalos costumam ser atribuídos ao aquecimento global e à s consequentes mudanças climáticas. O tsunami de 2004 no Oceano Indíco, segundo algumas notícias propagaram à época, teria até mesmo mudado o Ângulo magnético do planeta. A recente invasão de medusas gigantes no Japão, que pode tanto estar ligada a condições ambientais favoráveis ao aumento da abundÂncia desse organismo, como também à redução de predadores pela ação da pesca excessiva.
A revista Science publicou estudo cujas estimativas apontam para o colapso da pesca enquanto atividade econômica até 2050. Aproveitando o tema, o fim da pesca não virá a ocorrer devido à s mudanças climáticas como vem sendo alardeado. A pesca será afetada mais pela sede pelo lucro rápido. Mas certamente, em futuro nada distante, haverá grandes e importantes movimentos no tabuleiro dessa atividade face ao aquecimento global. A elevação da temperatura média da água do mar em apenas dois graus (o IPCC estima que pode ser de até 7o C) promoverá, em poucos anos, drásticas modificações nas populações dos principais recursos pesqueiros, afetando taxas reprodutivas, causando migrações e assim reduzindo a biomassa disponível para captura.
Não deve ser desprezada a influência do derretimento das geleiras, que poderá reduzir a salinidade, comprometendo ainda mais esse cenário. A tendência esperada é que o preço do pescado proveniente do mar seja cada vez mais alto, face à redução do volume capturado. Muitas empresas quebrarão. Mas deve-se salientar que o atual modelo de gestão da atividade, que não é o mais adequado, também contribuirá para eliminar o lucro da pesca. Este aviso não é de hoje. Pescamos mais do que o ambiente pode repor. Uma possível saída seria o incentivo à aquacultura.
Alguns podem ver as mudanças climáticas como cataclismas. Talvez não tenhamos percebido, mas o nosso planeta já passou por diversas mudanças climáticas e em parte delas o Homem já existia. Ainda assim, não existe concordÂncia entre os cientistas. Para outros, o planeta atravessa nesta última década uma desaceleração no processo de aquecimento, enquanto a quantidade de energia queimada tende a elevar potencialmente a temperatura, afetando a área da camada de ozônio. Mesmo este tópico (camada de ozônio) é tema de diversas discussões, já que a ciência ainda não pode estimar ao certo o que teria acontecido com a camada de ozônio numa aproximação anterior do Sol com a Terra. O Comitê Científico de Pesquisas Antárticas aponta que, devido a essa mesma camada de ozônio, as temperaturas da Antártica somente aumentarão a partir do fim deste século, ainda que o degelo venha aumentando paulatinamente.
Apesar da enorme tecnologia construída pelo Homem, há muito ainda a descobrir, e a máxima de Sócrates permanece atual: ``Tudo que sei é que nada sei´´.